quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Encontro de dois batutas: Paschoal Carlos Magno e Jader de Carvalho


Eis mais um texto de nosso escritor, Jáder de Carvalho, no suplemento literário Maracajá. Esta folha cearense trouxe textos de vários escritores, nomes importantes do Modernismo em nosso estado, como Rachel de Queiroz, Sidney Netto e Mario de Andrade (do norte ou, simplesmente, daqui, como era intitulado por seus colegas literatos). 

Nessa carta que Jáder escreve ao intelectual carioca Pascoal Carlos Magno,  sentimos um pouco do clima do começo do Modernismo no Ceará. Além disso, Jáder de Carvalho já mostra nesse texto, publicado ainda no início de sua carreira, muito do seu estilo, com o humor que lhe é peculiar e o telurismo - Terra amorosa e bôa, Paschoal! - sempre tão profundamente marcado em seus textos.

Detalhe da carta de Jáder de Carvalho, da edição impressa do suplemento Maracajá - primeiro número (7 de abril de 1929).


Encontro de dois batutas: Paschoal Carlos Magno e Jader de Carvalho

Paschoal Carlos Magno é um bicho danado. Meteu na cabeça que devia vir ao norte e veiu mesmo. Veiu e está aqui. Com os caboclos do Ceará. Com esta gente que o sul não conhece. Mas que inda há-de conhecer. Quando o Brasil conhecer o Brasil. E a gente puder dizer pros ingleses e pros americanos do norte: <<Deixa estar jacaré que a lagoa há-de secar>>.
Paschoal trouxe uma mensagem pros nossos estudantes. E fez um bonito discurso antes de entregar a mensagem. Em resposta, Jader de Carvalho disse estas cousas bôas pro Paschoal:

PASCHOAL,

Perdôe o Ceará. Eu tive pena de você, quando pensei no seu desembarque: você sósinho, carregado de livros do sul, olhando a cidade indifferente.
Mas, Paschoal, você não se zangou! Foi a nossa felicidade!
Nós, meu caro poeta, não temos tempo para manifestações. E é assim ha tres seculos. Você não avalia o trabalho que nos vem dando o Brasil. É lá brincadeira! Mal a gente acaba o Acre, já está ouvindo o grito de São Paulo chamando a gente! Olhe: até o Perú precisou de nós. Dá-se o suor, o braço, o sangue! E depois? Depois... o cearense se volta de mãos vasias. E, si vem do Amazonas- aquella terra menina, onde mal reportam os seios-é deste geito: escapando do impaludismo para morrer de beri-beri.
Num parenthesis, Paschoal:
Si é facto que o determinismo geographico atirou os portuquezes á conquista, porque não descobrir-se nesse nosso destino andejo o dedo de uma fatalidade?
Em você, meu meridional, eu não vejo o universitario nem o modernista maluco. Antes, eu descubro em você a chave disso que os do sul appellidam Brasil brasileiro.
Eu tenho um quadro deante de mim. Forte. Incisivo. Opportuno. É este: uma matrona italiana em cujo olhar esmaece a ultima lembrança de uma paisagem latina. Um moço - á o filho da matrona - embriagado do ceo americano, no ouvido o rythmo da musica brasileira, diz-lhe, pelos olhos, que só ama o Brasil.
O moço? É o filho do alienigena adaptado. É o fruto do caldemaneto das raças. É o homem que concretiza a vitória do meio modelador. É você, Paschoal!
Paschoal: você veiu para este fim: para o conhecimento reciproco de nortistas e sulistas. Pois seja benvindo! Olhe: lá está a serra de Baturité. Vá subindo! Vá recordar São Paulo! Vá ver os cafezaes! Não tem italianas bonitas? É o menos. Mas tem caboclas cheirosas, dessas que rescendem a mangaba e jasmin. Beije a bocca de uma dellas, para ver uma cousa! É um veneno! Não ha lábio de mulher branca que faça a gente esquecer... Gostou, Paschoal? Pois desça. Vamos agora ao Cariry! Repare: é mais bonito o valle do Parahiba?
Eu só tenho pena de uma cousa: é de você estra com pressa. Senão eu lhe mostrava o Jaguaribe. E você ouviria, commigo, a viola das várzeas. É só onde a viola é triste, meu amigo... quando o rio transborda, e as várzeas se alagam, e as aguas arrancam as carnahubeiras, a gente tem a impressão... a impressão, Paschoal, de que nas frondes que a enxurrada leva-<<Pery vae salvando Cecy...>>
Poeta,
Quando você voltar para o sul, você se recorde desta terra. Terra amorosa e bôa, Paschoal! Terra que, antes de tudo, é o refugio da brasilidade!
E diga, Paschoal, aos estudantes do Rio que nós recebemos e guardamos no coração as suas palavras de fé. E que si nós, uma vez por outra, não damos signal de vida, é porque ainda não terminou a obra que silenciosamente emprehendemos: a construcção do Brasil!

Paulo Sarasate fez a legenda




domingo, 13 de janeiro de 2013

As bandeiras que os sertões não conhecem


 Nosso escritor Jáder de Carvalho escreveu no suplemento literário Maracajá, que circulou em Fortaleza em 1929. Eis um de seus poemas, publicado na primeira edição do suplemento:


As bandeiras que os sertões não conhecem

Jader de Carvalho

Ainda hoje me lembro: - menino,
Quem venceu a guerra do Lopez?
- O Brasil, minha mestra! O Brasil!

A professora (tão fria!)
Nunca se emocionou ao falar nessa guerra.

Quanta vez lhe pedi:
- Minha mestra, descreva a historia do Lopez,
Como os livros grandes ensinam!

(Eu não podia ler nesses livros,
Pois era ainda da segunda classe...)

A mestra, porem, não sentia
- nada!
Não me contava
- nada!
Bandeira do Brasil? Ella nunca me disse
O que era o pendão verde e amarello.

Ella só mandava
Amar,
Venerar,
Respeitar.
A bandeira do martyr São Sebastião,
Tremulando em janeiro á praça da matriz...

Na quarta classe (eu era, de coração, um soldadinho),
Perguntei, comovido
<<Professora, a guerra com o Paraguay...>>

<<Ella, num gesto irado,
Não me deixou terminar.
E... por gostar de guerra -  sabem? – fui de castigo!

Um dia (minha mãe desfeita em pranto,
Num largo gesto, me abençoou...)
Ficaram lá atraz
O Jaguaribe,
O villarejo,
A mestra.
Cheia de respeito e amor pelo martyr São Sebastião...

Amigos, si eu lhes disser
A minha alegria
Quando, pela vez primeira, eu vi e ouvi,
Deante de batalhões em continencia
Os tambores rufando,
Os clarins clangorando,
Numa apoteose á bandeira que os sertões não conhecem!...

Ah! Nunca, como nesse instante,
Senti mais vontade de ser homem feito,
De lutar,
De morrer pelo Brasil,
Tendo no peito tantas feridas
Quantas
Estrelas contei na minha bandeira...