domingo, 21 de julho de 2013

Memorabilia




No ano passado, visitamos a casa de Jáder, na Rua Agapito dos Santos, 389. Percorremos o sobrado que servira de habitação ao escritor até o fim de sua vida e onde funcionara a Terra do Sol, sua editora. Restam poucos vestígios da passagem de Jáder por lá, embora significativos. Uma espécie de sala abriga, ao centro, uma escrivaninha e uma cadeira, rodeadas pelo que hoje resta de sua biblioteca, resguardada em estantes de madeira; na parede, afixadas em muitos quadros de vidro, estão fotografias de ocasiões diversas – é possível identificar a figura de Jáder em ocasiões solenes (trajado formalmente, ao lado de outras pessoas) ou mais íntimas (uma foto, por exemplo, registra o momento em que Jáder tem uma criança em seus braços).
É ainda na sala que está uma escada em caracol que nos leva até o quarto de Jáder, único compartimento que justifica o segundo andar do prédio. Arquitetura simples, não há nada além de duas janelas e poeira. Os compartimentos que se seguem revelam, aqui e ali, alguma mobília. Há mesinhas, sofá e cadeiras, arcas, cômoda, cabide e um móvel amarelo que guarda utensílios de cozinha, como pratos, copos, xícaras e taças de sobremesa. Algumas telas de Cid de Carvalho, seu filho, descansam no sofá ou no chão. Há sinais de reformas recentes, pontuais marcas de cimento. Fiações pendem do teto. A ficha de visita domiciliar identifica três inspeções – a última no mês da nossa visita. No fim do terreno, emaranhados de vegetações se acomodam sobre ruínas de algumas construções. Entre elas, a céu aberto, resiste um cofre enferrujado, guardador de segredos que desconhecemos.

domingo, 26 de maio de 2013

O jornalista Jáder de Carvalho


Das várias faces de Jáder de Carvalho, a do jornalista formou-se quando ele ainda era menino. Foi uma face que nasceu com a admiração que o jovem tinha por um jornalista cearense, João Brígido (1829-1921), que se tornou sua grande influência.  
“Eu tinha uma verdadeira paixão por João Brígido. Quando eu morava em Fortaleza, o Unitário (jornal de João Brígido) era vendido a tostão, a cem réis, e eu ia esperar o vendedor na rua e comprar o jornal para o papai. [...] João Brígido morava ali, onde é o Fortaleza Hotel. Eu ia me colocar em frente à sua casa, e ele se deitava no sofá da sala, num camisolão de chita, e eu ficava olhando, contemplando João Brígido. Nunca cheguei a trocar uma palavra com ele.”*
Fruto dessa paixão, anos mais tarde, em 1969, Jáder publica a Antologia de João Brígido, uma homenagem àquele que foi sua grande inspiração no jornalismo.
Imagem do livro Antologia de João Brígido
Jáder de Carvalho, ao longo de sua vida, fundou vários jornais, mas o mais importante deles foi o Diário do Povo, criado em 1947. O jornal foi uma arma contra o governo da época, defendendo os direitos do povo. Seus ajudantes eram seus próprios alunos do Liceu, que precisavam de três requisitos para trabalhar no jornal: “ser bom aluno de História, ter a paixão jornalística e ser de briga.”**
Em 2011, foi lançado o livro Jáder de Carvalho e o Diário do Povo, de João Alfredo Montenegro - editado pelo Armazém da Cultura - que resgata a história de Jáder e de seu jornal, tão importantes para o jornalismo cearense.
Imagem do livro Jáder de Carvalho e o Diário do Povo


*Jáder em entrevista a Nirez. Trecho retirado do livro Jáder de Carvalho, de Ângela Barros Leal.
**Dórian Sampaio, um dos alunos eleitos por Jáder para ser seu ajudante no Diário do Povo. Trecho retirado do livro Jáder de Carvalho, de Ângela Barros Leal.

domingo, 19 de maio de 2013

Cinza e verde, tristeza e alegria no sertão

Em tempos de seca que vai-se indo com a chuva que vem chegando, não se torna lugar-comum lembrarmos um poema de Jáder de Carvalho que trata de tema constante nas obras de escritores cearenses: a seca. Afinal, como sertanejo quixadaense que bem conhece as tristezas e as alegrias do povo do sertão, o poeta, com todo o seu lirismo, soube cantar os sentimentos do sertanejo. 


Terra de Sol*


I

Dói na alma ver a seca no sertão:
toda a caatinga tem a cor da cinza;
a água do rio esconde-se na areia;
mugem as vacas dolorosamente.

As moças e os meninos (tão magrinhos!)
estão catando os últimos capulhos 
do algodoal. Ele florara em junho,
mesmo com a rara chuva que o molhou.

Verdes, apenas os mandacarus,
os xiquexiques e os ásperos juazeiros:
verdes, mas defendidos por espinhos!

Por sua vez, o homem também protege,
com a pouca fala e o rosto duro, a abelha
que lhe fabrica o mel no coração...


II

Abro a janela. A terra está feliz:
toda molhada, trêmula de frio.
Mas a cidade é muda nas calçadas:
ó meninos, já não gostais da chuva?

Minha terra se molha como a gente.
Quer dizer: na mais íntima alegria.
Ela mata saudades. Era tempo.
Como eu gosto das árvores na chuva!

Chuva não é somente o sono bom,
a música macia no telhado:
é o pão-nosso, também, de cada dia.

Feito as mulheres grávidas, a terra
vai ficar terna, vai ter olhos úmidos,
vai fechá-los, com medo dos relâmpagos...    


*Extraído do livro Temas Eternos (1973). 


 


domingo, 5 de maio de 2013

O poeta interdito: sobre a fortuna crítica de Jáder de Carvalho



A produção literária de Jáder de Carvalho conta com uma crítica que, por vezes – para não falar geralmente –, não lhe tem feito por completo o jus que merece. Foi o que se percebeu, durante as atividades do grupo de pesquisa Sertão-poesia, quando do levantamento de estudos que se debruçassem sobre o labor de JC. Posteriormente analisados, uma consideração é unânime: Jáder é constantemente lido por um viés determinante, o regionalista. Na edição de 1966 de Água da fonte, por exemplo, em seção destinada à exposição de comentários acerca da obra, não há um comentário que não mencione a configuração telúrica da poética jaderiana. No entanto, bem sabemos que não reside nisso a única preocupação do seu verso. Jáder é dono de uma crítica feita entre elogio, camaradagem e notas breves. Felizmente, ainda que com ressalvas, há quem trilhe outras veredas no julgamento crítico.
                No prefácio do livro Cantos da Morte, de 1967, F. S. Nascimento realiza, a nosso ver, um dos poucos estudos que se detêm mais demoradamente na escritura poética de Jáder de Carvalho. Já pelo título, “O Poeta, a Morte e o Sonho”, marca-se a postura do crítico em optar por uma análise que refuta a tendência de que se valem outras investigações – essas, invariavelmente, percorrem um caminho mais óbvio: priorizar a poesia jaderiana pelo que ela tem de regionalista. Nascimento não desconsidera o autor de Água da fonte enquanto poeta social, mas atenta à necessidade de lançar à luz “as incursões de Jáder de Carvalho na atmosfera intemporal do lirismo” (NASCIMENTO, 1967, p. 5). É desse lirismo e suas variações de que fala o referido estudo.
                São dois os títulos que norteiam a leitura crítica de F. S. Nascimento: Água da fonte (1966) e Cantos da morte (1967). No primeiro, revelam-se os elementos constituintes da faceta lírica da poética de Jáder, que, em síntese, são três: a infância (“bela e feliz”), a elegia (“de um passado brumoso e triste”) e o amor (que canta Lauras e Marias), ambos ativados pelo crivo das recordações de outrora. Nascimento constrói sua análise baseando-se em um diálogo possível entre os dois livros, pois, em se tratando do lirismo amoroso, acredita que “Jáder de Carvalho retoma nos Cantos da Morte o tema inicialmente explorado em Água da Fonte, oferecendo-nos uma coleção de trinta e um sonetos em cujos versos se descortina uma sequência de quadros, que vai desde a vigília da morta ao mistério insondável do nada” (NASCIMENTO, 1967, p. 7). Nesse sentido, o livro de 1966 se mostra como um ensaio para os temas que, um ano depois, seriam elaborados em um nível de complexidade maior, então validados e concretizados enquanto expressão poética. O crítico, então, enxerga, no livro de 1967, um marco na trajetória poética de JC.
                F. S. Nascimento nos fala, agora, de um amor que se quer sonhado. A poética jaderiana é lida à medida que transpõe os “limites da forma, criando uma atmosfera de sonho em que a imagem da sua Laura ascende a todas as escalas da elegia” (NASCIMENTO, 1967, p. 8). Aí reside uma nova possibilidade de estudo do signo poético: o crítico, sabendo da relevância e da profusão da vertente lírica na produção de Jáder de Carvalho, não se exime do papel de investigá-la – ao contrário do que fizera Pedro Lyra, que atesta a sua existência, mas a considera um regresso, partindo da ideia que “o poeta não tem nada a acrescentar ao nosso lirismo tradicional” (LIRA, 1981, p. 63). Nos trinta e um sonetos de Cantos da morte, Nascimento enfatiza o sentimento que compõe a inspiração poética da qual Jáder lança mão: o das “divagações pelo universo do sonho e da fantasia” (NASCIMENTO, 1967, p. 9). Nessa perspectiva, o poeta transita entre espaços poéticos, transige com o temporal, na tentativa assídua de evocar o vulto da amada morta – escolha estilística igualmente potencializada através da memória e do sonho. Por essa estratégia de criação poética, F. S. Nascimento coloca Jáder de Carvalho em lugar de relevo nos domínios da poesia, ao lado de um legado canônico deixado por Homero, Dante, Milton e Camões. Sem medo, o crítico sentencia: 

[...] nenhum outro poeta da língua portuguesa conseguiu levar tão longe a sua “experiência de morte”, extraindo do amor, da saudade, do sofrimento e do sonho um poema como este, intencionalmente feito de sonetos, e que tão fundo marcará o itinerário poético do seu criador (NASCIMENTO, 1967, p. 11).

                Se F. S. Nascimento, em “O Poeta, a Morte e o Sonho” (1967), opta por uma leitura crítica amparada em Água da fonte e Cantos da morte, Sânzio de Azevedo (1992), em “A trajetória poética de Jáder de Carvalho”, realiza um estudo que percorre a produção livresca do autor de Terra Bárbara, como o título não poderia deixar de sugerir. Nele, os comentários analíticos são feitos com maior brevidade, mas estão respaldados por um lúcido levantamento que categoriza cronologicamente o fazer poético jaderiano. Escritor polígrafo que fora (jornalista, romancista, sociólogo), caberia ao ofício da poesia guardar o lugar da posteridade para Jáder de Carvalho, como o crítico nos afirma:

“Mas quer-me parecer que esse homem de estilo inconfundível e personalidade marcante, cujo nome brilhou nas letras cearenses durante mais de meio século, há de ficar para a Posteridade, acima de tudo, como poeta: poeta lírico e social, de fortes notas telúricas” (AZEVEDO, 1992, p. 43).

                Como se percebe, Sânzio ressalta duas faces na poesia de JC: a lírica e a social – articulação para qual F. S. Nascimento também alertara no prefácio de 1967, quando nos é dito que “o lírico se confunde com o intérprete do homem que sofre” (NASCIMENTO, 1967, p. 5).
                Sânzio marca os gostos estéticos pelos quais a poesia de Jáder passeou. São três: parnasianismo, penumbrismo e modernismo. Nesse momento, a sua investigação se limita a identificá-los, referendando cada manifestação à exposição do poema que julga mais característico de cada estilo. Os apontamentos, rápidos que sejam, fornecem novos caminhos para a leitura da poesia de JC. Se as escolas são demarcadas, o mesmo se faz com os livros que abrigam o labor literário de Jáder: temos, então, Os Novos do Ceará no Primeiro Centenário da Independência do Brasil (1922), O Canto Novo da Raça (1927), Terra de Ninguém (1931) e Água da fonte (1966). Dos títulos que lista, o crítico registra algumas características, seja no poema-piada ao estilo modernista ou nos traços telúricos/regionalistas, “uma das notas mais características da poesia jaderiana” (AZEVEDO, 1992, p. 46).
                Azevedo atenta à importância da poesia social praticada pelo poeta cearense e, em tom de crítica, nos diz que “Jáder de Carvalho foi, no verso, o que foi na vida: um combatente autêntico” (AZEVEDO, 1992, p. 49), em uma clara alusão aos poetas que “fala[m] da luta do proletariado com um copo de uísque na mão” (ibidem). Sânzio não se esquece de outros eixos temáticos que gravitam no entorno da poesia de Jáder, como as lembranças, as tristezas, o amor e a morte – embora se limite apenas a citá-los, retomando o estudo de F. S. Nascimento. É o próprio crítico que nos revela, em transcrição de uma conversa que tivera com Jáder, entre 72 e 73, a queixa do poeta em ser cobrado pela prática da poesia social, quando, na verdade, nunca deixara de ser lírico. É, portanto, no entre-lugar dessas tensões que se realiza a fortuna crítica de Jáder de Carvalho: priorizando temas, marginalizando outros, quando, não-raramente, limitando-se à crítica do elogio ou da superficialidade.

Referências

AZEVEDO, Sânzio de. A trajetória poética de Jáder de Carvalho. In: ______. Novos ensaios de literatura cearense. Fortaleza: UFC; Casa José de Alencar, 1992, p. 43-51.

CARVALHO, Jáder de. Água da Fonte. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1966.

NASCIMENTO, F. S. O Poeta, a Morte e o Sonho. In: CARVALHO, Jáder de. Cantos da Morte. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1967.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Um encontro com o poeta.


Há mais ou menos um ano, nosso grupo fez a primeira visita à terra natal de Jáder de Carvalho. Um momento bastante singular foi, quando, subindo a Serra do Estevão, viu-se, ao longe, linda árvore florida em rosa. Envoltos na poesia de Jáder de Carvalho, tal momento não poderia ser visto de modo menos poético. Não há registro fotográfico, é a memória que nos traz novamente o momento:

Foi então que veio a grande ideia de visitar o poeta.
Por onde andava o senhor das tantas saudades, menino eterno, poeta solitário?
Vamos a Quixadá! - soprou o vento sertanejo, que Jáder estaria lá.
E o caminho foi feito.
Haja verde cajueiro, haja ocre terra, haja cinza.
Haja casa na beira da estrada, agora, moderna estrada.
Haja monólito que se coloque imponente no horizonte,
Sentinela a resguardar o berço do poeta valente.
Chegada à terra de Jáder, haja memória daqueles que não deixam que o passado passe.
A terra de Jáder está mudada, mas a natureza ainda o traz.
Se o poeta escreve a paisagem que percebe, ela é só sua
O leitor, no texto-poesia, o que vê?
Não há ali uma paisagem-poeta?
E, vendo a paisagem quixadaense, não foi mesmo Jáder que assim nos (a)pareceu?
Derrubaram a casa do poeta e a Serra do Estevão está bem mudada,
Mas o sertão ainda é sertão
E a quem aprendeu a enxergar o sertão-poesia de Jáder,
Não pôde ter outra ideia ao ver o ipê rosa florido
Solitário em meio ao verde do serrote,
Era Jáder sorrindo ao dizer:
Essa é minha terra natal!

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Centro Cultural Jáder de Carvalho é inaugurado hoje em Fortaleza

É com muita satisfação que o nosso blog traz uma ótima notícia para os amantes da literatura de Jáder de Carvalho: um centro cultural em sua homenagem será inaugurado hoje às 20 horas na Avenida Beira Mar, em frente ao Náutico Atlético Cearense.
O Centro Cultural Jáder de Carvalho é uma merecida homenagem ao nosso poeta, que, sem dúvidas, foi um dos grandes escritores de nossas terras e que não deve permanecer apenas na memória de seus admiradores, mas, sim, possar a ser reconhecido pelo povo da cidade que ele escolheu para viver. 
Veja mais informações aqui.


Fonte: Jornal O Povo


domingo, 7 de abril de 2013

Um poeta entre o sertão e o mar

 
Nosso escritor Jáder de Carvalho foi um homem apaixonado pelo sertão quixadaense, terra de suas origens. Entretanto, a cidade, com suas praças, seresteiros e moças nas janelas, também encantou o poeta.
Em seus poemas, cantou o sertão de sua infância, marcado pela seca e pela alegria das gentes ao ver a chuva molhando a terra; cantou a vida no campo, onde "grasnam bandos de marrecas"* e sente-se "o cheiro bom do gado"*. Por outro lado, dedicou belos versos à Fortaleza antiga, de "ruas tranquilas"** e noites em que se podia escutar "os bramidos do mar no Paredão"**. 
É desse homem entre o sertão e o mar, entre Quixadá e Fortaleza, que fala o poema a seguir, extraído de Temas Eternos (1973).  
 
 
Sertão e Mar
 
O sertão me chamava. Eu tive pena.
E, em madrugada que jamais esqueço,
eis-me no trem. A máquina apitou.
Chegara a hora - o coração me disse.
 
A máquina cansava nas subidas.
Nas curvas os apitos se estiravam,
num longo adeus a tudo que ficara
na linha azul do mar, de que eu fugia.
 
Ah, na fumaça da locomotiva,
que se encurvava aos ventos da viagem,
ia o meu lenço, a minha despedida.
 
Amoroso do mato e da cidade,
se me alegrava o cheiro do sertão,
como gemia o mar dentro de mim!
 
 
 
*Trechos do poema "Noite no sertão", em Temas Eternos (1973).
**Trechos de "Sonetos para Fortaleza", em Temas Eternos (1973).
 
 


segunda-feira, 25 de março de 2013

Onde está Jáder de Carvalho?

Com perdão à metonímia utilizada no título da postagem, hoje nosso objetivo é falar um pouco sobre onde anda a obra de Jáder de Carvalho, onde a voz do homem-menino lírico foi parar.
De todas as constatações feitas pelo grupo Sertão-poesia, desde sua criação em 2011 até hoje, com toda certeza, a mais patente e motivadora da manutenção de nossas pesquisas é a que diz respeito ao esquecimento do nosso autor.
À quem lê alguns dos versos de Jáder, como os de "Terra Bárbara", há de fazer, espantado, mesma pergunta: onde está a voz de Jáder?
Em busca da resposta, deu-se as primeiras tarefas de nossa pesquisa. Passando pelas principais bibliotecas de acesso público em Fortaleza, descobrimos que Jáder estava guardado em nossas prateleiras públicas, amarelado pelo tempo, por vezes, restaurado ou mesmo em estado de conservação delicadíssimo. O brado do homem que foi Jáder de Carvalho estava ali, calado em páginas fechadas, há tempos esquecidas pelos leitores cearenses.
Fruto desse primeiro momento de nossas pesquisas, trazemos a público os arquivos que seguem, traços e memórias de visitas à biblioteca da Casa de Juvenal Galeno, à biblioteca da Academia Cearense de Letras, à Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel, à Biblioteca Municipal Dolor Barreira e às bibliotecas dos Centros de Humanidades das Universidades Federal e Estadual do Ceará:
     
Resultado, também, desse primeiro momento foi a seguinte organização de todas as obras do escritor:

OBRAS EM ORDEM ALFABÉTICA 

A CRIANÇA VIVE – romance - 1945

ÁGUA DA FONTE – poesia – 1966/1974 (dentro de “Toda a poesia de Jáder de Carvalho”)

ALDEOTA – romance – 1963/2006

ALMA DE TROVAS – poesia – 1974

ANTOLOGIA DE JOÃO BRÍGIDO – antologia – 1969

CANTOS DA MORTE – poesia – 1967/1973 (dentro de “Toda a poesia de Jáder de Carvalho”)

CLASSE MÉDIA – romance – 1937

COLONIZAÇÃO DO CEARÁ – artigo – 1930

DELÍRIO DA SOLIDÃO – poesias – 1978[Ex. poemas inesperados] e 1980 (dentro de “Toda a poesia de Jáder de Carvalho”)/2001

DOUTOR GERALDO – romance – 1937

EU QUERO O SOL – poesia - 1947

MENINO SÓ –poesia – 1977 (dentro de “Toda a poesia de Jáder de Carvalho”)/1997

MEU PASSO NA RUA ALHEIA – coletânea de artigos – 1981

O CANTO NOVO DA RAÇA – poesia – 1927

O ÍNDIO BRASILEIRO – estudo sociológico – 1930

O LUGAR DE “A VÉSPERA DO DILÚVIO” ENTRE OS ROMANCES DO CEARÁ – apreciação crítica – 1967

O POVO SEM TERRA – INTERPRETAÇÃO DO FENÔMENO JUDEU – estudo sociológico – 1934

RUA DA MINHA VIDA – poesia – 1981

SUA MAJESTADE, O JUIZ – romance – sem ano

TERRA BÁRBARA – poesia – 1982 (dentro de “Toda a poesia de Jáder de Carvalho”)/1998

TERRA DE NINGUÉM – poesia – 1931 (obra prevista na coletânea “Toda a poesia de Jáder de Carvalho”, porém sem registros na pesquisa)

TODA POESIA DE JÁDER DE CARVALHO

Volume 1 – TEMAS ETERNOS E CANTOS DA MORTE – 1973

Volume 2 – ÁGUA DA FONTE – 1974

Volume 3 – MENINO SÓ – 1977

Volume 4 – DELÍRIOS DA SOLIDÃO – 1978/1980

Volume 5 – TERRA BÁRBARA – 1982

Volume 6 – TERRA DE NINGUÉM -1931

*o exemplar pertencente à coletânea e previsto como 6º , TERRA DE NINGUÉM, não foi encontrado

domingo, 17 de março de 2013

O sociólogo Jáder de Carvalho

Nosso escritor Jáder de Carvalho também enveredou pela sociologia. Ele entrou no Liceu do Ceará na década de 1930 como professor de sociologia, mas foi afastado da cadeira, a qual saiu do currículo escolar. Depois desse afastamento, passou a ser professor de história e geografia. Dedicou-se mais à história, interpretando os fatos históricos, com isso, buscava prever o futuro. Nessa época, entrou em choque com o governo e foi processado justamente por causa dessas interpretações da história que fazia em suas aulas. Requereu o cargo de professor do Liceu e voltou a dar aula de história, trabalhando até se aposentar.
Jáder publicou alguns livros sobre o tema, dentre eles destacamos O índio brasileiro – Estudo sociológico, publicado em 1930, e O povo sem terra – Interpretação do povo judeu, publicado em 1934. Ambos os livros estão disponíveis somente na seção de Obras raras da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel, estando o livro O povo sem terra também disponível na biblioteca da Academia Cearense de Letras.

Imagem do livro O índio brasileiro, fotografado na Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel.


Além disso, Jáder de Carvalho é patrono da cadeira nº 20 da ACSC (Academia de Ciências Sociais do Ceará), que tem como titular César Oliveira de Barros Leal.*

*Fonte: Revista da ACSC, 2006.

domingo, 10 de março de 2013

Os Temas Eternos de Jáder de Carvalho

Em seu livro Temas Eternos (1973), Jáder de Carvalho ocupa-se dos assuntos que perpassam a existência humana. É justamente desses "temas eternos" que trata a Literatura. O poeta coloca, em sua obra, as suas vivências e, assim como todo homem, é "o ser que ama, odeia, espera, desespera, sofre a tortura da saudade, as dores do esquecimento, a tentação do mistério, além do grande e sempre atual problema da morte"(CARVALHO, 1973).

No poema que abre o livro, também intitulado "Temas Eternos", o escritor revela-nos que os tempos mudam, mas o homem sempre estará à procura daquilo que é a razão de sua existência, tentando responder aos inesgotáveis questionamentos que a vida lhe impõe.

Temas Eternos  

Há os temas eternos. Vêm de longe,
das raízes humanas reveladas
nos amores, nos ódios, nas paixões,
na morte, na esperança, na saudade.

Mudam os tempos. O homem sonha sempre.
Os mistérios da vida e do destino
fazem nascer filósofos e deuses,
inspiram religiões que não se irmanam.

Mas existem os temas que não morrem.
O coração os descobriu e neles
busca, mesmo, a razão da própria vida.

Reparai na lição que vem das árvores:
são mais velhas que os homens e, até hoje,
não mudaram de flores nem de frutos...

domingo, 3 de março de 2013

Escrever, lembrar

Ainda em se tratando de matérias jornalísticasque versam sobre a figura do nosso poeta, hoje publicamos o texto da prof.ª Sarah Diva Ipiranga veiculado no caderno Ler, suplemento de literatura e cultura do jornal Diário do Nordeste. A pesquisadora, em um relato que acena para uma relação extremamente afetiva com o autor de Menino só, comenta ainda acerca dos fios e dos desafios de empreender uma pesquisa sobre uma figura que, aos poucos, vai ocupando o lugar de que é merecedora nas discussões da comunidade acadêmica. Confira clicando aqui e aqui.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Voz e vida ao poeta: reedição de O Povo em homenagem a Jáder de Carvalho.


No dia 25 de abril do ano 2000, o Jornal O Povo presenteou-nos, leitores ávidos de Jáder, com a reedição de uma entrevista feita pelo Jornalista Fenelon de Almeida ao nosso escritor no ano de 1985. Deu-nos, assim, mais uma vez, a oportunidade de “escutar” uma das vozes mais brilhantes que o Ceará já teve. Homem de mil faces, nesta entrevista, dividida entre perguntas ao poeta, ao romancista, ao jornalista, ao sociólogo e até ao advogado e intitulada de “Povo foi comemorar a queda aparente da ditadura”, Jáder mostra-se. E, para nosso deleite, é como se este homem estivesse vivo, tão vivas eram suas ideias, tão vivo era tudo que dizia. Deste modo, melhores palavras introdutórias não poderiam existir do que as utilizadas por Fenelon de Almeida. Embarquemos, portanto, nessa volta ao passado que tinha Jáder em seus dias:

Imagem da publicação no
 jornal O Povo em 25 de abril de 2000.

“Povo foi comemorar a queda aparente da ditadura"

Entrevista a Fenelon de Almeida

Quando sentimos escassear, no Ceará, os verdadeiros jornalistas, aqueles que exercem com decoro e independência a sua profissão, desincumbindo-se da missão de, informando, formar ou transformar a opinião pública, aqui estamos para falar de Jáder de Carvalho, o maior jornalista cearense em nosso tempo. Dia 29 último, ele viu transcorrer o seu 83º aniversário natalício. E continua a mesma fortaleza inexpugnável de lucidez e destemor.

Falar de Jáder jornalista é também falar do poeta e do romancista e do professor. Nele estão intimamente associadas essas quatro facetas de sua atividade intelectual, integradas num só biotipo. O poeta, o professor e o jornalista estão xifopagamente interligados, e são indissociáveis. Tem sido assim, através dos anos. O pensamento diretor da obra de Jáder de Carvalho é sempre o mesmo, desde quando ele faz versos, dá aulas de História e emprega a sua pena de grande jornalista. Em qualquer um desses momentos, disponta o sociólogo. E um só pensamento avulta em sua mente: a libertação social, econômica e cultural do povo nordestino. Povo é o universo em que se situa tudo quanto ele há feito ou deixou de fazer.

Falar desse mundo é o que aqui se propõe. Entretanto, não nos atrevemos a abordá-lo diretamente, com palavras nossas. Só serviriam para desfigurar-lhe a imagem de grande mestre das letras cearenses. Vamos tentar delinear os traços de sua individualidade, valendo-nos de suas próprias palavras. Queremos deixar a ele mesmo a tarefa de revelar-se aos das novas gerações. A nossa participação vai restringir-se à escolha dos enfoques. A revelação será sua. Ninguém melhor do que Jáder de Carvalho para falar de Jáder de Carvalho.

Poeta, professor, jornalista... Qual dos três nasceu primeiro?

O indivíduo Jáder de Carvalho nasceu na Serra do Estêvão (Quixadá), a 29 de dezembro de 1901. O jornalista em 1917, na cidade de Iguatu. Deste modo: meu pai, Francisco Adolfo Carvalho, arrendou uma tipografia ociosa, de propriedade do farmacêutico Arnaud. Nela, compus e imprimi um pequeno semanário de letras, todo escrito por mim, exceto os infalíveis sonetos de Bilac. Meu genitor mantinha um bem freqüentado Externato. No mesmo ano de 17, comecei a ensinar. Por sinal, Português. O livro adotado para análise gramatical e lógica era o "Iracema", de Alencar, ou seja, o maior poema do Brasil, em todos os tempos. O poeta veio ao mundo em 1919, dois anos depois. Eu estudava no Liceu do Ceará. Como aprendi a arte gráfica, para compor e imprimir meu semanário, acima citado? Assim: meu pai, em 1911, era sócio da "American Typography", localizada na Praça do Ferreira, lado do sol. Meu professor foi o então tipógrafo Gastão Justa, que morreu acadêmico de letras. Fui, com muita saudade, o orador da Academia Cearense no seu enterro, no São João Batista. Pouca gente. Muitas lágrimas da família. Poeta, jornalista e professor... Todos vivos, em companhia do sociólogo. O advogado, esse, para alegria minha, está bem morto. Enterrou-se numa aposentadoria.

Você escreveu um romance intitulado "A Criança Vive", no qual consegue provar que o espírito de criança não morre nunca no ser humano, perdurando no homem adulto. Pode falar de sua infância?

Quase não tive infância. Amadureci muito cedo. Minha mãe (Coitadinha! Morreu tão moça!) foi quem me viu sempre menino.

 Qual foi a maior alegria da sua vida?

Ficou de vir. Mas ainda não chegou.

E o que mais o entristeceu?

 Não posso, não devo falar. Dói. Nunca deixará de doer.

Fez alguma coisa da qual se tenha arrependido?

Fiz. Obedeci à Margarida (sua mulher), formando-me em Direito. Meu lugar era na Psicanálise. Fui, no Ceará, o primeiro a ler Freud. Todos os anos, atualizo-me na Psicologia Profunda. No Brasil, dentro dela, tive um amigo e mestre: Gastão Pereira da Silva. Mais velho do que eu, acaba de publicar, em seis volumes, uma obra que não pode deixar de ser lida: "Psicologia da Vida Moderna". Nessa obra, vem o retrato de Freud em corpo inteiro.

Gostaria de pedir desculpa ou perdão a alguém?

Homem-homem não pede perdão a ninguém. Desculpa? Deve pedir. Depois de fechar o "Diário do Povo", procurei, com humildade, todos aqueles a quem ofendi com muita coragem, mas injustamente. E fui desculpado, com muita alegria por todas as vítimas, da minha cabeça quente. Cabeça pegando fogo, sem condições de julgar sem pecado. Cabeça, enfim, de quem nasce com destino de fazer oposição a todos e a tudo.

Pode falar também da Imprensa cearense, como um todo, nos dias atuais? Os jornais de hoje são melhores ou piores do que os de antigamente?

De Getúlio até hoje - senão com muito perigo - não pôde existir uma imprensa de verdade, quanto ao posicionamento político ou ideológico dos jornais. Num regime de brutalidade e corrupções, somente pequenos jornais, quase sem leitores, circulam às escondidas e sempre com perigo de apreensão. Em Fortaleza, não se deve negar o progresso material da Imprensa de informação e crítica social e política. Jornais do Ceará já podem ser lidos nas metrópoles do Brasil. Por falar em imprensa: não quero esconder o que os cearenses de hoje ignoram. O jornal mais bem escrito e de feição mais artística foi o "Jornal do Comércio", fundado nesta Capital em 1924. Diretor: Raimundo do Monte Arrais, renomado constitucionalista. Redator-chefe: Elcias Lopes, uma das grandes figuras da imprensa do Ceará, hoje totalmente esquecido. Redatores principais: Clóvis Monteiro, filólogo, anos depois nome nacional, e Manuel Monteiro, excelente cronista barroco. Redatores auxiliares: eu e o futuro cunhado Francisco Sabóia, grande estudioso da língua portuguesa, elogiado, sem favor, por Mário Barreto.


LIMITAÇÕES E IMPOSIÇÕES

O Nordeste, como Polígono das Secas, ainda o preocupa?

Nordeste e Polígono não se confundem. As secas ultrapassaram, primeiro, as fronteiras nordestinas e, logo depois, as do Polígono. Hoje, para mim, existe o Brasil semi-árido, reino macabro dos grandes verões periódicos, que vai do Leste maranhense ao Norte de Minas, abrangendo, total ou parcialmente, cerca de 10 Estados. Assim, as secas já não caracterizam apenas o Nordeste e o Polígono, mas o Brasil semi-árido, de vasta extensão territorial.

A seu ver, há uma saída para este subdesenvolvimento crônico? Qual?

Com a presença do FMI dentro do Governo da República - presença marcada por limitações e imposições que ferem frontalmente o poder e a soberania nacional - não vejo saída alguma. Falta-nos a bravura de Cuba e da Nicarágua para enfrentar (ou vencer) o imperialismo norte-americano. Tremo pelo destino deste País, que as multinacionais não pagam imposto, em detrimento das empresas brasileiras, e tecnocratas indesejáveis, sob o comando de militares reformados, enriquecem, assombrosamente, da noite para o dia, sob os olhos conformados do povo. Acredito que o Brasil alcançará, em período não muito longo (se não for logicamente desmembrado), um lugar que o espera entre as potências mundiais. Sem escravidão de qualquer tipo, poderíamos planejar e construir.

Por que, até hoje, não se encorajou essa mensagem?

Fácil de responder, embora o vento leve minhas palavras, enquanto passa ao longo as mentiras pagas e desonestas de Delfim Neto. Apesar de tudo, em relação à parte deste País, esquematizei o livro "Brasil semi-árido". Sugestão para a solução dos problemas: antigos e novos. Nesse modesto ensaio, passo longe do resto do Brasil. E passo por isto: num regime militar, reforçado por sua incompetência e inegável conspiração, livros, opiniões, conselhos de paisanos jamais seriam aceitos. Nada espero de Tancredo Neves. O País, às mãos de militares inativos e economistas monetaristas, já não passa de doente grave, anestesiado, na mesa de operações, à espera de cirurgia. O pior é isto: não existem cirurgiões de extirpação do câncer, principalmente quando tomou conta da carne, do sangue e - quem sabe? - da alma.

A Sudene esvaziou-se, morreu mesmo, ainda será a solução para o Nordeste?

Como viu, já não aceito a discriminação pensada e humilhante: Nordeste das secas. Existe sim, as secas do Brasil semi-árido. Para que valeria uma Sudene destinada aos problemas climáticos e econômicos de uma área imensa, constituída de uma dezena de Estados?

Que nos diz da bandeira empunhada pelo jornalista e professor Paulo Bonavides?

A América Espanhola continuou esposada depois de dividida em países. O Brasil, unido pela língua portuguesa e religião católica é, contudo, um país repartido em numerosas regiões naturais, com a suas características absolutamente indestrutíveis. Nada mais lógico do que imitar-se o exemplo da América hispânica, para acabar com esse patriotismo idiota de um Povo Uno porque nele se fala e se reza do mesmo modo. Eu - não tremo, ao dizê-lo - seria hoje feliz se pudesse dizer ou escrever: Jáder de Carvalho, cidadão da Confederação do Equador.

Bonavides sustenta que a autonomia das grandes regiões naturais do Brasil é "um dos remédios destinados a cicatrizar a ferida centralizadora e estatizante no organismo da Nação", concorda?

De modo absoluto. Um mesmo pensamento nasceu em cérebros diferentes, sem haver conversa entre duas cabeças. Não é de espantar que sempre existiu muita finidade entre o meu pensamento e o de Paulo Bonavides. Razão: nós estudamos muito e, no caso do problema brasileiro de que se trata desta entrevista, temos a coragem de pensar com independência, à luz da Geografia Humana e de outras ciências, dessa convocação a gente não pode prescindir.


O NORDESTE NA LITERATURA

Fazendo literatura, você chegou a filiar-se a algum movimento de renovação literária?

Filiei-me ao Modernismo de 22. Fiz uma poesia equilibrada, como a que se encontra ao longo da minha vida poética. Antecipei-me ao Modernismo de 45. Aliás, devo esclarecer que não estou ferindo as melindres de certa gente, dizendo-me modernista. Tenho provas.

Em que consistiu sua participação?

Publiquei "Canto Novo da Raça", em parceria com Sidney Neto, Franklin Nascimento e Mozart Firmeza (1927). Em 1930 estava nas livrarias meu "Terra de Ninguém". Antônio Girão Barroso, com muita honra para mim, coloca esse livro entre os dez maiores saídos do Movimento Modernista no Brasil.

 Como você se sente mais atual e atuante: como romancista ou como poeta? Por quê?

Sinto-me igualmente atuante e atual no romance e na poesia. No romance, contra a vontade dos que se dizem mestres. Na poesia, cabem os meus problemas de sempre: a dor dos oprimidos, honras aos povos e raças.

NATURALISMO SOCIAL

Você sempre disse ser um homem telúrico. Como se sente na vida urbana?

Renovo o meu telurismo com o livro "Terra Bárbara" em véspera de segunda edição acrescida dos sonetos nordestinos, espalhados em minha obra poética. Na cidade, sou um sozinho no meio da multidão. Ah, como me dói a ausência da fazendola "Lisboa", onde tanto conversava com as ovelhas!

Que fazer, para conter-se a poluição e tratar-se o meio ambiente? Solução técnica ou política?

Expulsar do Poder os dirigentes analfabetos. A Ecologia, no Ceará - já o disse alhures - é a mais recente descoberta da UFC. Desgraçadamente, ainda não funcionou, mesmo em Fortaleza, às barbas da sapiência oficializada. A Técnica e a Política não podem deixar de conviver, na preservação do meio ambiente. Por infelicidade, no Brasil, principalmente nos centros industriais, já existe a urgente necessidade de recriar-se o meio ambiente. O primitivo, esse o homem destruiu, aliás esquecido de si mesmo.

Por que não regressou ao sertão, depois da aposentadoria?

Porque me faltou dinheiro para comprar outra fazenda, outras vacas, outras cabras, outras ovelhas. A "Lisboa", eu a vendi, forçado pelo Banco do Nordeste, que somente agora descobriu o seu papel na economia do Semi-Árido, ou seja, a quase imensa região brasileira castigada pelas chamadas secas periódicas. Entre parêntese: nessa região, principalmente no Nordeste, as piores secas têm sido os governos - tanto o federal como os estaduais.

Qual, hoje, é o seu principal entretenimento? Gosta de ver televisão?

A televisão, no Brasil, perdeu o sentido cultural que deveria ter. Nela, a Roberta Close aparece com muito mais prestígio do que os grandes intelectuais, os grandes cientistas. Não falo em grandes políticos, por esta razão: no Brasil não existem políticos, no sentido científico da palavra, mas simples compradores de votos, apesar da imensa austeridade do Superior Tribunal Eleitoral, cujos juízes sempre leram a Constituição de cima para baixo ou de trás para diante. Para completar a resposta: esqueço-me, às vezes, no meu quarto de dormir, que é também escritório, gabinete de leitura e domicílio da máquina de escrever - esqueço-me da presença do televisor. Porque sempre gostei do sexo oposto, quando me sinto sem o calor feminino, compareço, pela televisão, ao programa "Essas Mulheres Maravilhosas", de J. Silvestre.

Como outros sociólogos brasileiros, você também acha que a televisão, com essa mania de enlatados estrangeiros e de transmissões em cadeias nacionais, se vai transformando em verdadeiro agente de "colonialismo cultural"? Estará contribuindo realmente para apagar da memória coletiva das populações regionais brasileiras os traços culturais genuinamente autóctones?

A cultura brasileira, em que Portugal, França, negros, índios e mestiços misturavam suas tradições, essa já foi expulsa do Brasil. Culpados principais, pelo poder do dinheiro: a "Rede Globo" e outras redes estrangeiras de menor relevo e, por isso mesmo, de menor perigo de poluição para a cultura brasileira - menina que não pôde crescer. Finalmente: o regional, no Brasil, afoga-se no "colonialismo estrangeiro". Assim, não teve tempo, ao menos, de tornar-se nacional.

Que deveríamos fazer para salvaguardar a nossa cultura regional dessa derrocada, livrando-a, em tempo, desses transplantes indesejáveis?

No Brasil, fôra mais fácil levantar pirâmides e esfinges do que levar a cultura brasileira ao seu verdadeiro destino. Afinal, para salvaguardar essa cultura, só vejo e encontro este caminho: substituir no Governo da República, no Governo dos Estados, no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas, muitos dos seus atuais ocupantes. Os nossos dirigentes - falo com o devido respeito - até lembram, sob alguns aspectos, norte-americanos naturalizados brasileiros. Substituí-los por brasileiros natos, isto é, autênticos, sem o vício ou pecado de, espontaneamente, se deixarem levar por interesses pessoais e assumirem a condição de súditos de Reagan (Ronald Reagan, então presidente dos Estados Unidos) e seus antecessores, até à morte da influência inglesa no Brasil - eis o caminho certo.

 PSICOLOGIA E ESPIRITISMO

Sabemos que, ao lado da Literatura e da Sociologia, a Psicologia também o seduziu. Como tem passado até hoje o psiquiatra e psicanalista que você não chegou a ser?

Sem frustração. Faltou-me tempo para desesperar. O ano passado, matei saudades do que não fui, lendo "Psiquiatria Básica", grande livro de Gerardo da Frota Pinto. Leiam, os idosos (palavra para não ofender de sexagenários para cima), o capítulo 12 ("Velhice e Senectude"). Já é um consolo a gente se conhecer nas fronteiras do fim da vida.

Falemos agora do advogado. Vale a pena?

Para os que não escrevem contos, poemas, sociologia, artigos de jornal, vale.

Qual foi a injustiça que mais o magoou?

O meu afastamento do magistério por dez anos. Autor do crime: o governador Menezes Pimentel. Ingrato! Sempre fui desassombrado defensor dos negros, quer os do Brasil, quer os de países racistas, como os Estados Unidos e a África do Sul.

Na sua opinião, a vida tem uma finalidade?

Tinha: a de procriar, para a sobrevivência do homem. Hoje, não vale a pena fecundar ventres. O Apocalipse nuclear é o presente dos imperialismos para os nossos filhos. Amar, para ter filhos, é cavar sepulturas antecipadas.

Que espécie de vida espera encontrar após a morte física?

Como alma, ser dotado da quarta dimensão e, graças a ela, entrar numa casa fechada, sem necessidade de bater palmas ou pedir que abram a porta. Outra vantagem, segundo o Espiritismo: viajar com a rapidez do pensamento, sem utilizar qualquer meio de transporte e - o que seduz - não ter de pagar passagem. Falo assim por brincadeira. Espírito, eu continuaria na minha casa, entre livros com a marca das minhas mãos e dos meus olhos. Continuaria inimigo da rua, principalmente da rua de metrópole - sem silêncio, sem tréguas para uma conversa sobre Arte, Ciência e Literatura. Por isso, meus queridos adversários, não me temam depois de morto. Asseguro: não lhes aparecerei, nem de noite, nem de dia, como falam os homens gramaticalmente despreocupados.

Miguel Gurgel do Amaral, católico praticante e homem de bem, nutria por você uma grande amizade. Dizia ter esperança de ainda vê-lo na Igreja. Presenciei, certa feita, quando ele, com um olhar cheio de respeito e esperança, lhe disse estar confiante de que, um dia, haveria de vê-lo ajoelhado. Não se falando sério ou por simples gracejo, você lhe respondeu: "Só se for para dar um tiro, Miguel!". Pensa atualmente assim?

Sempre fui um homem que não muda facilmente de idéias. Ajoelhar não significa, absolutamente, não ser materialista. Por educação, não vou deixar de ajoelhar-me ou beijar anel de bispo. Honesto comigo mesmo, jamais quis aprender a rezar. Menino, meus pais - grandes católicos - tudo fizeram para que eu aprendesse o Padre-Nosso e a Ave-Maria. Também foram em vão os bolos de palmatória, para que eu dormisse de camisola. Em resposta à imposição, passei a vestir a roupa e os sapatos de domingo, para depois cair na rede. Até hoje, pela força, ninguém nada conseguiu de mim. E isso me dá prazer.

DESABAFO NACIONAL

Como vê a Política e os políticos brasileiros de hoje?

Sem Política Científica jamais poderá haver políticos autênticos. Acha que Tancredo, Maluf, Geisel, Figueiredo, Ulysses e Montoro podem ser chamados de políticos? Ocorre no Brasil porque, neste País, os mentirosos sempre ficaram fora da cadeia.

Social e politicamente, qual é o regime com que você sempre sonhou?

Antes de tudo, troquemos o "qual é" pelo "qual foi". Os que têm acompanhado a minha modesta, porém inquieta e autêntica vida política, sabem que eu nasci para o marxismo em 1928. Mas a ortodoxia soviética me espantou. Aliás, não existe razão para essa ortodoxia, já que na Rússia jamais se implantou o socialismo, caminho certo e reto para o comunismo. Na Rússia, o que se implantou, com em todos os seus satélites, foi o mais puro capitalismo de Estado, que eu denunciei, corajosamente, há 30 anos atrás. Você foi tocar no assunto, com ótima intenção. Agora, o jeito é agüentar. Não existem povos e países semelhantes entre si. Logo, não se pode implantar um mesmo regime político nesses países e para esses povos, sem antes descer-se ao estudo de geografia, história, costumes, religião, organização social no passado e no presente. Ora, os soviéticos ignoraram tudo isso na inauguração do socialismo, com rota para o comunismo. Daí a pluralidade desse comunismo: russo, chinês, cubano, albanês etc. Dito isso, vale a pena lembrar: sem a esperada e devida ressonância, quase ninguém soube, no Brasil, que a China trocou, há poucos dias, o marxismo pelo capitalismo de estado, pendendo para aceitar a empresa privada, apenas com esta diferença em relação aos países capitalistas: entendimento constante entre empregadores e empregados. Um dos dirigentes chineses chegou mesmo a proclamar, mais ou menos com estas palavras: "Se Marx e Lenine voltassem, hoje, ao mundo, não teriam as mesmas idéias". Quanto ao socialismo de Tito, diferente dos demais, trata-se apenas de um caso, sob certo aspecto, antropogeográfico. Falta-me espaço para explicá-lo.

Hoje, com essa vivência de mais de 80 anos, em que você mais acredita: na Revolução ou na Evolução?

Sou pela Revolução, isto é, pelo salto, mas sem derramamento de sangue. Bastaria um estudo do país e do povo a que e a quem se destinasse a Revolução. Uma catequese inteligente, sem opressão e sem ódio - embora em mais longo prazo - alcançaria o êxito desejado.

 Como viu o delírio popular pela vitória do candidato da Aliança Democrática?

 O povo - que durante quase 21 anos não se insurgiu contra a ditadura militar - o povo, contudo, soube ir à praça pública, às ruas, para comemorar a queda aparente dessa ditadura. Mais: para o Exterior, e também para muitos brasileiros, a imensa festa popular valeu, naturalmente, como eleição direta de Tancredo, agora Tancredo de Almeida Neves, depois de eleito. A primeira mudança? Essa festa brasileira, sinceramente, pareceu-me, mais do que tudo, uma fuga de menos de 24 horas às aflições, já bem antigas, geradas pelo crescente e asfixiante custo de vida. Foi, sem dúvida alguma, o desabafo da falta de dinheiro. Desabafo nacional.

A reedição completa, com acréscimos e introdução de Maria Tereza Ayres, está disponível no endereço eletrônico: http://www.opovo.com.br/app/acervo/entrevistas/2012/10/05/noticiasentrevistas,2928075/jader-de-carvalho.shtml